Eventos Culturais - Análises Críticas (todas)

#1  _Mia Couto: o tempo das identidades e os espaços da diferença (SESC Palladium)

Neste encontro com o escritor Mia Couto, mediado pela professora doutora Rita Chaves, houve um caminhar tranquilo por vários temas. Um dos mais instigantes tem a ver com a origem à qual ele associa sua reconhecida imaginação e fantasia: pelo fato de a cidade onde nasceu sofrer constantemente por enchentes (estava implantada ao lado de um rio), o desconhecimento temporário do espaço que lhe era familiar o levava a mundos imaginários. Essa mutabilidade do espaço remeteu a algumas referências de cidade expostas por Hertzberger em seu livro Lições - ruas que em tempo de cheia viravam canais, como se duas cidades fossem possíveis no mesmo espaço. Essa ênfase do escritor em um processo subjetivo desencadeado por modificações espaciais é uma brecha que nos indica a relevância, em qualquer processo projetual, do aumento de interpretações e relações possíveis incorporadas à materialidade espacial.

#2 _Entre Nós - a figura humana no acervo do MASP (CCBB)

A figura humana ao longo da história, nesta exposição, ganhou destaque central. Foi seguida a lógica da progressão cronológica para a organização das obras - característica que, ainda que seja óbvia, leva a pensar se uma ruptura inteligente com essa linearidade não evidenciaria de forma mais pungente as sinuosidades dessas figuras humanas. De todo modo, logo no início do percurso definido para a exposição já se notam alguns contrastes: as estatuetas de origem africana e pré-colombiana referem-se ao homem de um modo muito menos natural ou representativo do que pretendem os quadros europeus - além de serem genéricas e não se referirem a pessoas específicas. Essa busca pela perfeita representação da figura humana elege aqueles que devem ser representados: praticamente até meados do século XIX e o início da efervescência vanguardista, era a alta sociedade que figurava. Principalmente nas obras consideradas modernas/contemporâneas as figuras populares ganham visibilidade: seus trejeitos, seus ofícios, seus sofrimentos, seu universo como um todo. Isto fica bem evidenciado na obra Trabalho, de Thiago Honório: várias ferramentas de trabalho são colocadas enfileiradas no chão e encostadas na parede, como um lembrete explícito de existências e humanidades que foram niveladas por seu trabalho e inseridas no anonimato da massa.

#3 _Pintura - ou a fotografia como forma de violência (FCS - Palácio das Artes)

Os retratos expostos, de autoria de Éder Oliveira, conversam diretamente com a exposição Entre Nós. Esses retratos fazem parte de uma pesquisa mais extensa do artista sobre a identidade e amazônica e, mais especificamente, a paraense. Através da apropriação e releitura dos retratos de páginas policiais de jornais paraenses o artista projeta e torna de fato visíveis pessoas que, naquelas páginas, perdem sua identidade e humanidade. É como se houvesse uma inversão: ao aumentar esses retratos os espectadores perdem seu protagonismo e são estes personagens marginalizados que os observam. O grande mural reforça essa ideia, e se recordamos que estes murais são feitos pelo artista em muros da cidade podemos imaginar a força que ganham através de sua imprevisibilidade e da presença marcante - esses personagens, ali, e ao contrário dos jornais, não podem ser ignorados. Já os retratos da série pixel levam ao extremo a questão da identidade e da etnia. Cada pixel é expandido e se torna um quadro de cerca de 50x50cm, cada um pintado em um tom de marrom e com uma inscrição em alto relevo que parece ser uma data de nascimento ou um número de registro. Essa junção do pixel e da cor marrom escancaram um processo perverso: ao reduzir a identidade a cores e descaracterizá-la, associa-se o crime à uma etnia - a que resulta do encontro do negro e do indígena.

#4 _De Lama Lâmina (Inhotim)

A entrada para acessar a instalação é tão sutil que chega a ser quase imperceptível. Quando se adentra a trilha, a breve imersão em uma natureza aparentemente intocada logo sofre uma ruptura: surgem, em meio a uma clareira, os domos geodésicos estruturados em aço e vidro espelhado - estrutura que parece ter descido se instalado forçosamente ali. O acabamento espelhado reflete o espaço circundante, como se nos quisesse lembrar do vínculo indissociável entre natureza e artificialidade. No centro do maior domo o trator florestal perdeu seu centro de gravidade e foi congelado em um momento de extrema instabilidade, como resultado de um digladio com uma árvore que acaba por ser retirada - mas não sem antes impor sua força. A reflexão dos vidros na parte interna acabam por fazer um jogo entre interno e externo, como que projetando a natureza para dentro do domo e o cenário interno para dentro da natureza de uma forma dialógica. De um modo extremamente poético, Matthew Barney expõe o conflito tecnologia/natureza, um dos resultados de sua pesquisa sobre o candomblé baiano.

#5 _Semana Santa em Ouro Preto

Algumas cidades turísticas sofrem metamorfoses ao longo do ano. Este é o caso de Ouro Preto. A visita feita durante a Semana Santa, em contraposição à uma visita feita no mês de maio em data não comemorativa, mostrou que a cidade tem uma hibridez interessante, principalmente em se tratando de feriados e datas religiosas. A marcante aglomeração de turistas na região central e o fluxo intenso que estes causam nos museus, igrejas, restaurantes, comércios, feiras (...) dão à cidade um dinanismo agradável. Nas ruas, num caos organicamente estruturado, carros, motos e caminhantes dispersos em fachadas e fotos compartilham o espaço sem muitos conflitos. As madrugadas ganharam uma composição toda colorida com as procissões, a confecção dos tapetes de serragem, os músicos de rua, os boêmios esparramando-se pelos bares, os observadores das sacadas; tudo isso convivendo e gerando encontros inesperados. Muitos dos turistas - principalmente as crianças - se encantavam com o trabalho sendo desenvolvido e voluntariavam-se, estabelecendo assim uma conexão com a população e as tradições locais e liquefazendo, mesmo que por um breve momento, essa divisão artificial.


Comentários